domingo, 23 de março de 2008

A CASA DE ALICE

Nada de thrillers norte-americanos ou blockbusters pré-históricos. Um dos melhores filmes em cartaz nesta temporada de ressaca pós-Oscar é uma produção nacional: A CASA DE ALICE! Dirigido por Chico Teixeira, que antes só havia realizado documentários e aqui estréia na ficção, este filme ganhou sua primeira exibição aqui no Sul no final do mês passado, durante o Festival de Verão, e agora entra finalmente em cartaz, com quase seis meses de atraso em relação ao centro do país. Um atraso que, infelizmente, vem se tornando cada vez mais corriqueiro, mas que não deve servir de desestímulo, pois poder conferir na tela grande uma obra tão singular quanto esta é um presente que não aparece a todo instante.

Premiado em festivais nacionais e internacionais, A CASA DE ALICE é um dos mais comoventes longas produzidos aqui no Brasil nos últimos tempos. Ele não tem, exatamente, uma trama definida: somos, na realidade, convidados a acompanhar o cotidiano de uma família de classe média baixa paulistana, durante os noventa minutos de projeção. Alice, a mãe, é manicure. O marido é taxista, e os três filhos são adolescentes – o mais velho, com 21 anos, está no quartel. Ainda com eles mora a avó, mãe de Alice e verdadeira dona do apartamento. O que se tem em cena são os pequenos conflitos do cotidiano, os embates que são perdoados em nome de uma convivência aparentemente pacífica, mas que vão se somando a ponto de um limite. Seja ele imaginário ou mais próximo da realidade do que gostaríamos de admitir. E, quando ele é suplantado, será na própria pele que cada um irá ter que enfrentar as conseqüências.

Se tudo parece aparentemente normal, aos poucos as revelações se fazem presentes – e surpreendentes. Temas como adultério, roubo, mentiras, prostituição, inseguranças, traições e outros pecados vão se acumulando em progressão geométrica, até o inevitável momento de ebulição. E preparem-se: a explosão irá abalar a todos, em ambos os lados da tela. No entanto, esse choque é mais um convite à realidade, uma pausa para reflexão que incita o debate e proporciona uma análise mais demorada sobre a condição social do brasileiro, seja em família ou enquanto indivíduo. Onde foram parar nossos sonhos, abafados por ônibus apertados, noites mal dormidas, esperas em longas filas no atendimento médico ou na busca por restos da feira? E como manter-se lúcido no meio de todo este desânimo, num caminho que parece não ter fim, sem luz no fim do túnel nem esperança de um amanhã melhor?

O grande trunfo de A CASA DE ALICE é a direção discreta do diretor, que soube conduzir sem autoritarismo sua história, dosando bem os espaços entre seus atores. E a escolha do elenco foi outro achado: o nome mais conhecido é o de Berta Zemel (O CASAMENTO DE ROMEU E JULIETA, DESMUNDO), como a avó, que está mais uma vez excelente. Mas surpresa mesmo é Carla Ribas, como a protagonista, um verdadeiro ganho para a dramaturgia nacional. Por este trabalho ela recebeu os prêmios de Melhor Atriz no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além dos festivais de Miami e de Guadalajara! Ela alterna momentos de ingenuidade e esperança, tristeza e força, lucidez e imaginação. Sua Alice está pronta para entrar na galeria dos grandes personagens do cinema brasileiro, e você não pode perder a oportunidade de conferir esta elogiada atuação – e, de lambuja, ser confrontado por este belo, tocante e reflexivo filme. Dói, mas faz um bem incrível!

A Casa de Alice, Brasil, 2007
(nota 8,5)


quarta-feira, 12 de março de 2008

A VIA LÁCTEA

Segundo longa da diretora paulista Lina Chamie, A VIA LÁCTEA estreou sob fortes aplausos numa mostra não-competitiva do Festival de Cannes de 2007. Agora, quase um ano depois, finalmente chega às telas do Sul do país. E a conclusão é de que valeu à pena esperar! Este é um belo exemplo de um cinema mais autoral, mas que mesmo assim consegue se comunicar com o público - a inventividade e ousadia demonstrada na forma não esconde a objetividade e simplicidade do conteúdo. Estamos diante de uma história de amor, e não há dúvida alguma quanto a isso.

Marco Ricca, um dos mais interessantes atores do cinema brasileiro atual, é um professor quarentão em crise com a namorada mais jovem. Após uma discussão telefônica aparentemente banal que termina atingindo extremos, decide largar tudo o que estava fazendo para ir ao encontro da amada, do outro lado de São Paulo, e tentar uma reconciliação. O trânsito caótico da grande cidade interfere de forma decisiva neste processo, provocando atrasos, encontros inesperados, situações conflituosas e gerando inestimáveis oportunidades de reflexão. Nestes momentos temos a oportunidade de descobrir como eles se conheceram, como se comportavam, como estas duas vidas aos poucos se transformaram em uma... até onde estão agora, prontas - ou não - para seguirem caminhos opostos.

No outro lado da linha está a bela e talentosa Alice Braga, que depois de despontar em sucessos como CIDADE DE DEUS e CIDADE BAIXA - e antes de partir para o estrelato internacional de EU SOU A LENDA - aceitou marcar presença nesta obra tão singela e singular. Alice é um frescor de juventude, uma personalidade maleável, sexy e inocente, madura e ansiosa por novidades. Ela compõe um ótimo contraponto ao modo sisudo e recluso vivido por Ricca. E, da mesma forma que achamos natural o envolvimento dos dois, concluímos que não serão poucas as forças que tentarão separá-los - externas e, acima de tudo, internas.

O primeiro filme de Lina Chamie, TÔNICA DOMINANTE, de 2000, era ainda mais radical nesta proposta de se guiar mais por sensações, impressões e sonhos do que por uma lógica fechada e organizada. A VIA LÁCTEA, por outro lado, é dotado de mais elementos para agradar tanto os que buscam expressões mais únicas quanto àqueles atrás apenas de uma forma de entretenimento adulta e inteligente (como se fosse pedir pouco!). Se em determinadas passagens a diretora e roteirista parece exagerar na dose, criando um hermetismo desnecessário, no final somos presenteados com uma conclusão surpreendente e inesperada, mas que combina perfeitamente com tudo dito anterioremente. Mais um sinal de respeito - com a história, com os envolvidos e, claro, com o espectador. E isso sim é grande coisa!

A Via Láctea, Brasil, 2007
(nota 8)